A Cátedra e o património. O que fazemos com o Património Cultural Imaterial?

por Filipe Themudo Barata

O Património Cultural Imaterial (PCI) é o tema central do trabalho da Cátedra UNESCO. E este património é composto por práticas, formas de ver o mundo e saberes fazer, realidades frágeis com dificuldades em sobreviver na nossa sociedade em permanente mudança. Apesar de isto parecer evidente, é raro que nos documentos de apresentação das nossas actividades sublinhem essa ligação entre o que fazemos e o património que ocupa tanto do nosso tempo.

No final do título da Cátedra, encontra-se uma expressão que tem todo o sentido: “ligando o património” (linking heritage) e é essa que devemos valorizar. O património construído, para ser bem compreendido, tem, na sua base, valores, conhecimentos e formas que nos permitem, de facto, percebê-lo; do mesmo modo, o património natural e as paisagens só são compreendidas quando estudamos as práticas sociais que lhes deram a estrutura que hoje têm. Se quisermos, a compreensão dos outros patrimónios procuramo-la, quase sempre, na sua própria imaterialidade.

Claro que esta situação torna o trabalho mais difícil de descrever e precisar, mas é este esforço que não devemos esquecer.

O problema agrava-se com a generalização da mobilidade no mundo actual: dentro de cada país, dos campos e dos pequenos núcleos urbanos para os grandes centros populacionais, entre países e continentes à procura de empregos e melhores condições de vida e, infelizmente muito comum nos nossos dias, para fugir à prisão e à guerra. Esta mobilidade, voluntária ou não, traz para os destinos finais desses movimentos populacionais efeitos directamente relacionados com o PCI e que importa estudar, dar a conhecer e participar na abertura de soluções.

Nos locais em que são recebidos, sempre percebidos como um encargo, a primeira perda é a da auto-estima, já que, na grande cidade, se perde importância individual e colectiva e não se valoriza o saber fazer de cada um. Depois percebe-se a dificuldade de integração, muitas vezes porque o recém-chegado tem dificuldades em compreender a sociedade a que chegou e, quase sempre, porque quem acolher não tem, porque não sabe ou não quer, políticas de integração e de valorização do saber de quem chega.

Acresce que nas actuais sociedades de massas, a pressão para a uniformização, para a prevalência das línguas e das culturas dominantes, cria ou ajuda a criar fenómenos de guetização e marginalidade no mundo urbano, que se tornam cada vez maiores (os guetos e as cidades). É nesta difícil linha de fronteira que vive a nossa Cátedra UNESCO. Claro que é um trabalho duro; na cidade, a representação política dos grupos faz-se pelo somatório dos votos de cada indivíduo, pelo que se perde a ideia de pertença ao grupo base. Por outro lado, essa mesma cidade, também é o lugar privilegiado da inovação e da criatividade.

Este documento nasce do processo de avaliação da Cátedra UNESCO e das observações que nos foram feitas. Absorvidos no nosso trabalho regular, percebemos muito bem a ligação do que fazemos com o PCI. Reconhecemos que, ao lidar com os problemas das colecções museológicas e dos próprios museus, estamos no meio da discussão sobre o enquadramento institucional do património imaterial; outras vezes, tratando com problemas de desenvolvimento urbano, defendemos e discutimos, ora o significado dos sítios, ora as formas mais razoáveis de organizar políticas de integração urbana. Quando nos viramos para o turismo no quadro do património, estamos tantas vezes à procura de caminhos para, através da utilização do PCI como um recurso que é, o poder preservar e valorizar. Nós sabemos isso, mas nem sempre isso é perceptível para todos os que acompanham o nosso trabalho, incluindo técnicos da UNESCO. É muito importante sublinhar a coerência do trabalho que fazemos; entre membros da equipa e colaboradores já somos cerca de 30 pessoas; é fácil dispersarmo-nos e ajudarmos a criar uma sensação de caos que não existe. Mas a Cátedra é um local de encontro. Por isso, aqui fica uma recomendação “constitucional”: em todas as actividades que organizamos ou produzimos, devemos incluir uma explicação, curta ou longa, sobre a sua ligação ao Património Cultural Imaterial.